segunda-feira, 18 de julho de 2011

O invencível Borges.

I-Uma breve apresentação do dia e do homem ilustre daquele dia.

Borges acendeu luminosamente seu cigarro de filtro amarelo num banco de praça comum, numa cidade comum.
Borges era um homem incomum. Chupou com força o cigarro, cuja ponta se avermelhou e nesse instante os cancerígenos atingiram seu pulmão octogenário.Porém, Borges tinha aspirações juvenis demais pra um pulmão tão velho.
Duas tosses, uma ajeitada em seu terno de linho preto que repousava debaixo de um sobretudo cinzento.

Cinzento era o dia...Com nuvens obscurecendo as cabeças de todo mundo debaixo de céu, inclusive Borges, que era apenas um homem.
O sol iluminava as calçadas com seus calhambeques e pessoas apressadas à caminho de seus ofícios, ou casas, ou quem sabe, pois afinal, que se pode dizer sobre a alma pelo semblante ?

II- O cigarro de Borges

Alguns passos à frente de seu banco, atravessando à rua e o cigarro ainda na boca. Uma buzina, um carro em alta velocidade, o velho Borges grita e o cigarro cai no chão, liberando suas cinzas flamejantes.

O corpo flácido de Borges cai na rua, massacrado pelo capô de um Rolls Royce 1930, cuspindo seus fluídos. Um homem incomum, fumava um cigarro, pensando em si mesmo, num ato de malícia, saiu confiante de seu banco com uma risada ecoante pela alma, quando atingido por um carro que fez questão de lhe quebrar algumas costelas e, pela força do impacto, arrancar seus olhos que jaziam agora perto de seu cigarro.

Carregaram o corpo. Ninguém se importa.Ele morre.

III- Alguém que se importa.

"Eu te amo"

Estas palavras atingiram o pobre ouvido do jovem Borges numa primavera de 1912, de uma jovem como ele.
As palavras criaram raízes na mente fraca e cheia de necessidades de nosso Borges, que de um momento para cá não tinha nada, e agora tinha pouco.

No seu ter pouco Borges imaginava-se como o maior sultão.
Ele tinha a paixão de uma jovem, tudo bem, mas Borges agora queria o mundo todo.

IV- Diário



"E tu és apenas uma pessoa que anda
manchado das coisas da vida e de sua própria sujeira
Você nos decepcionou a todos,
filho, o que Fizemos ?
Na música, que é cada ato seu,
a cada nota, a cada passo
você passa
e exala
sua presença.

Tudo o que fez está feito
e tudo o que foi feito vai passar
e o tempo há de trabalhar
para todos, isso é certeza.

Mas pra você é um talvez.


Que fina essência,
que proparoxítona
que paradoxo
que alta infecção octogenária poderia lhe descrever melhor ?

Você tosse, doente
e eu olho o sol
poente. E sorrio como quem vê o sol nascente
Você tosse
e sorri também...

E sol (poente) queima nossa pele, pois vivemos juntos.
Próximos. Apesar de tudo parecer distante.
O Céu e as estrelas
o Amor
a fé, o conhecimento e o sofrimento.
Eram longínquos

Foi um rei, foi um assassino
foi tudo e o que poderia ser tudo,
lutou para ser o Nada e nada conseguiu

Eu sua gênese, ah, Eu me lembro...

Brotaste como a mais bela das flores.
Do nada...
Do mais sujo lodo,
no mais belo jardim
numa noite estrelada
em que os furos no céu
e seus irmãos riram-se todos,
e o primeiro dos gritos do mundo foi ouvido até na outra borda do salão."


Borges se Imaginava como poeta. Mas não o era. Se imaginava como um deus artista e compôs essa canção para ' o resto dos homens ' ,em seu diário, como costumava nos chamar. Os homens comuns, sem nada. Perto dele, mero pó.
Borges cresceu, nunca amou ninguém, sua arrogância pelo resto de nós cresceu mais, um carro o atropelou, e nem no momento de sua morte, Borges viu que era um homem.
Nós vimos, eu pude ver. Suas tripas e seu sangue eram monumentalmente humanos, assim como o cheiro.



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